O meu antigo companheiro de pensão Amadeu Amaral
Júnior, um homem louro e fornido, tinha costumes singulares
que espantavam os outros hóspedes.
Amadeu Amaral Júnior vestia-se com sobriedade:
usava uma cueca preta e calçava medonhos tamancos
barulhentos. Alimentava-se mal, espichava-se na cama, roncava
o dia inteiro e passava as noites acordado, passeando, agitando
o soalho, o que provocava a indignação dos outros
pensionistas. Quando se cansava, sentava-se a uma grande
mesa ao fundo da sala e escrevia o resto da noite. Leu um
tratado de psicologia e trocou-o em miúdo, isto é, reduziu-o a
artigos, uns quarenta ou cinquenta, que projetou meter nas
revistas e nos jornais e com o produto vestir-se, habitar uma
casa diferente daquela e pagar ao barbeiro.
Mudamo-nos, separamo-nos, perdemo-nos de vista.
Creio que os artigos de psicologia não foram publicados,
pois há tempo li este anúncio num semanário: “Intelectual
desempregado. Amadeu Amaral Júnior, em estado de
desemprego, aceita esmolas, donativos, roupa velha,
pão dormido. Também aceita trabalho”. O anúncio não
produziu nenhum efeito.
Muita gente se espanta com o procedimento desse
amigo. Não sei por quê. Eu, por mim, acho que Amadeu
Amaral Júnior andou muito bem. Todos os jornalistas
necessitados deviam seguir o exemplo dele. O anúncio, pois
não. E, em duros casos, a propaganda oral, numa esquina, aos
gritos. Exatamente como quem vende pomada para calos. Graciliano Ramos. Um amigo em talas. In: Linhas tortas.
Rio de Janeiro: Record, 1983, p. 125 (com adaptações).
Com relação às ideias e aos aspectos linguísticos do texto Um
amigo em talas, julgue os itens que se seguem.
As vírgulas em “Amadeu Amaral Júnior, em estado de
desemprego, aceita esmolas, donativos, roupa velha, pão
dormido” (R. 18 a 20) foram todas empregadas para separar
itens de uma enumeração.
Fonte: ANALISTA - CONTABILIDADE E FINANçAS / FUNPRESP / 2016 / CESPE