Simulado Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania de Roraima - SEJUC/RR | Agente Penitenciário | 2020 | Questão 194

Língua Portuguesa / Elementos de coesão


Oh! Minas Gerais
O irresistível sotaque dos mineiros me encanta. Sei que deveria ir mais a Minas Gerais do
que vou, umas duas, três vezes ao ano. Pra
rever meus parentes, meus amigos, pra não
perder o sotaque.
Sotaque que, acho eu, fui perdendo ao
longo dos anos, desde aquele 1973, quando
abandonei Belo Horizonte pra ir morar a mais
de dez mil quilômetros de lá.
Senti isso quando, outro dia, pousei
no aeroporto de Uberlândia e fui direto na
lanchonete comer um pão de queijo que, fora
de brincadeira, é mesmo o mais gostoso do
mundo.
- Cê qué qui eu isquento um tiquinho procê?

Foi assim que a mocinha me recebeu, quase
de braços abertos, como se fosse uma amiga
íntima de longo tempo.
Sei não, mas eu acho que o sotaque
mineiro aumentou – e muito – desde que parti.
Quando peguei o primeiro avião com destino
à felicidade, todos chamavam o centro de Belo
Horizonte de cidade. O trólebus subia a Rua
da Bahia, as pessoas tomavam Guarapan,
andavam de Opala, ouviam Fagner cantando
Manera Fru Fru, Manera, chamavam acidente
de trombada e a polícia de Radio Patrulha.
Como pode, meu filho mais velho, que
nasceu tão longe de Beagá, e, que hoje mora
lá, me ligar e perguntar:
- E ai pai, tudo jóia, tudo massa?
A repórter Helena de Grammont, quando
ainda trabalhava no Show da Vida, voltou
encantada de lá e veio logo me perguntar se
o sotaque mineiro era mesmo assim ou se
estavam brincando com ela. Helena estava no
carro da Globo, procurando um endereço perto
de Belo Horizonte, quando perguntou para um
guarda de trânsito se ele poderia ajudá-la. A
resposta veio de imediato.
- Cê ségui essa istrada toda vida e quando
acabá o piche, cê quebra pra lá e continua
siguino toda vida!
Já virou folclore esse negócio de mineiro
engolir parte das palavras. Debaixo da cama
é badacama, conforme for é confórfô, quilo
de carne é kidicarne, muito magro é magrilin,
atrás da porta é trádaporta, ponto de ônibus
é pôndions, litro de leite é lidileiti, massa de
tomate é mastumati e tira isso daí é tirisdaí.
Isso é verdade. Um garoto que mora em São
Paulo foi a Minas Gerais e voltou com essa:Após o almoço Lá
deve ser muito mais fácil aprender o português
porque as palavras são muito mais curtas.
Mineiro quando para num sinal de trânsito,
se está vermelho, ele pensa: Péra. Se pisca o
amarelo: Prestenção. Quando vem o verde:
Podií.
Mas não é só esse sotaque delicioso que o
mineiro carrega dentro dele. Carrega também
um jeitinho de ser.
A Gabi, amiga nossa mineira, que mora em
São Paulo há anos, toda vez que vem, aqui em
casa, chega com um balaio de casos de Minas
Gerais.
Da última vez que foi a Minas, ela viu na
mesa de café da tia Teresa uma capinha de
crochê, cobrindo a embalagem do adoçante.
Achou aquilo uma graça e comentou com a
tia prendada. Pra quê? Tem dias que Teresa
não dorme, preocupada querendo saber qual
é a marca do adoçante que a Gabi usa, pra
ela fazer uma capinha igual, já que ela gostou
tanto. Chega a ligar interurbano pra São Paulo:
- Num isquéci de mi falá a marca do seu
adoçante não, preu fazê a capinha de crocrê
procê...
Coisa de mineiro.
Bastou ela contar essa história que a Catia,
outra amiga mineira – e praticante – que estava
aqui em casa também, contar a história de um
doce de banana divino que comeu na casa da
mãe, dona Ita, a última vez que foi lá. Depois
de todos elogiarem aquele doce que merecia
ser comido de joelhos, ela revelou o segredo:
- Cês criditam que eu vi um cacho de banana
madurin, bonzin ainda, no lixo do vizinho, e
pensei: Genti, num podêmo dispidiçá não!
Mais de quarenta anos depois de ter deixado
minha terra querida, o jeito mineiro de ser me
encanta e cada vez mais.
Quer saber o que é ser mineiro? No final dos
anos 80, quando o meu primeiro casamento
se acabou, minha mãe, que era uma mineira
cem por cento, queria saber se eu já “tinha
outra”, como se diz lá em Minas Gerais. Um
dia, cedo ainda, ela me telefonou e, ao invés
de perguntar assim, na lata, se eu já tinha um
novo amor, usou seu modo bem mineiro de
ser:
- Eu tava pensâno em comprá um jogo de
cama procê, mas tô aqui sem sabê. Sua cama
nova é di casal ou di soltero? ADAPTADO. VILLAS, Alberto. Oh! Minas Gerais. In: Carta Capital. Pu-
blicado em 10 fev. 2017. Disponível em https://www.cartacapital.com.
br/cultura/oh-minas-gerais.

No excerto “A repórter Helena de
Grammont, quando ainda trabalhava no
Show da Vida, voltou encantada de lá
e veio logo me perguntar se o sotaque
mineiro era mesmo assim ou se estavam
brincando com ela”, a palavra destacada
expressa a noção semântica de

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Fonte: ASSISTENTE ADMINISTRATIVO / Câmara Municipal de Maringá/PR / 2017 / AOCP