Simulado Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania de Roraima - SEJUC/RR | Agente Penitenciário | 2020 | Questão 198

Língua Portuguesa / Figuras de linguagem


Insignificâncias indomáveis Carla Dias
Eu tenho medo de lagartixa e de atravessar rua
quando o sinal está vermelho, ainda que não haja
carros por perto. Meu medo é um algo estupendo,
com suas pequenas armadilhas. Faz com que
eu tema a alegria, enquanto me preencho de
coragem ao lidar com desesperos indeléveis.
Eu tenho medo de errar a palavra, de sair a
outra, a mais torta, a menos a ver com o que eu,
de fato, gostaria de dizer. E ainda tem o tom...
sou desprovida de talento, quando dele depende
o tudo do momento. Aquela coisa de a voz sair
rascante, de se entregar à possibilidade de se
aventurar no impossível, envergonhando-se
dessa ousadia no segundo seguinte.
Envergonhamento feroz é este.
(...)
Tenho medo reverberante de nunca chegar.
Não a um lugar, a um destino. Falo sobre chegar
ao ser invadida pelo pertencimento. Zerar a
ansiedade desconcertante de não ter sido
escolhida pela sensação plena de estar onde,
tornar-se quem.
Há quem diga que meus medos são banalidades
travestidas de tragédias. Há os que não suportam
meus dramas, de tão ridículos os tantos lhes
parecem. Contudo, tenho certa dificuldade em
compreender a irrelevância de se sentir deslocada
no tempo e no espaço, desprovida de identidade,
além daquela criada para atender à necessidade
de tocar a vida, sem direito a toque que não seja o
de recolher-se na própria impotência de provocar
o movimento.
Estagnar-se em conluio com um adiantamento
robusto de arrependimentos.
Meus dramas, essas insignificâncias
indomáveis, embebidas em esperança
desmilinguida de, dia desses, a vida me oferecer
e entregar o oferecido.
Que susto será!
Que prazer de curar azedumes!
Que loucura eficaz!
Reviravoltas constantes me deixam com
desejo aguçado de parar à porta da insanidade,
para observar obsoletos santos sendo pessoas
em busca de pessoas para conversar sobre
seus desvios de conduta, ao se proclamarem
heróis, enquanto comentem suas covardias e
benevolências.
Falar mal, fazer bem, desacreditar para então
identificar o que vale a pena.
Amar... odiar... amar odiar. Odiar a mando do
tempo perdido com o vazio.
Mas que o ser humano é de uma incoerência
que encanta, enquanto aflige.
(...)
A mente tem seus truques, e como ótima
equilibrista de absurdos que é, acontece de ela
projetar na nossa história uma proteção que
acaba por se mostrar precipício. Então, há vezes
em que ela se desapega de nós, inventando uma
realidade alternativa na qual nos enveredarmos,
feito o filme que assisti, sobre a mente de um
homem mudando todo o enredo do ocorrido, a fim
de protegê-lo do impossível que ele acabara de
cometer.
Sim, ela também comete benevolência,
improváveis realizações, descobertas
necessárias.
Sim, ela tem seu lado sórdido.
A mente me mete medo. Ainda assim, é ela que
mais me fascina. Não a minha, que dela eu nunca
vou saber ao certo. A tal vai seguir os seus delírios
e, talvez, eu nem me dê conta da existência
deles ou venha a saber quais provocações eles
lideraram.
A do outro...
A mente que para mim é mistério, que me
provoca a curiosidade sobre o que não sou ou
penso. Sobre as versões do que conheço. Basta
um espaço que a mente injeta na certeza para se
construir aquela pausa onde moram frágeis pontes
que conectam improváveis, porém compatíveis
buscas.
Tenho medo de viver busca que é tempo
perdido disfarçado de exuberante conquista.
É ali, no limiar das suas agonias, que eu me
esparramo. Meu corpo vibra buscas e medos e
perdas e fantasias.
Minha mente diz que não tenho saída.
Permaneço.
Meu sentimento diz que minha mente mente.
Fujo.
Meu medo, ah, meu medo...
Ele me coloca cara a cara com a vida.
Vivo. Adaptado de: http://www.cronicadodia.com.br/2019/10/insignificancias-
-indomaveis-carla-dias.html. Acesso em: 17 nov. 2019.

Assinale a alternativa correta em relação
à figura de linguagem presente no trecho
“Meu corpo vibra buscas e medos e
perdas e fantasias.”.

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Fonte: JORNALISTA / Câmara de Cabo de Santo Agostinho/PE / 2019 / AOCP