Simulado Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania de Roraima - SEJUC/RR | Agente Penitenciário | 2020 | Questão 230

Língua Portuguesa / Relações de sinonímia e de antonímia


Não o suficiente Carla Dias

Sentado à mesa, cercado por tantos. Entende
bem o que acontece ali, mas é experiente em
enganar os próprios sentidos, mesmo não
gostando dessa qualidade da qual não consegue
se livrar. Vale-se dela sempre que a oportunidade
se apresenta. É um talento. Um incômodo talento.
Permanece ali, os braços cruzados, a cabeça
levemente inclinada, como se observasse o
cenário que se estende além.
Já conhece as manifestações que se
alardeiam, durante esses encontros sociais. Na
verdade, compôs uma canção, certa vez, com
uma inquietante letra gerada de combinações de
algumas delas: não cabe aqui, não serve para
isso, não orna com aquilo, não é sua culpa, mas
não vai dar certo.
É bom, só que não o suficiente.
Não ser o suficiente é meio que o slogan da
vida dele, alguém considerado nada suficiente,
até mesmo quando transborda. Acostumou-se a
ser visto dessa forma.
A tal canção tomou conta dele. É capaz
de cantá-la de trás para frente, formar novos
versos, bagunçar as palavras e, ainda assim,
elas continuam ridiculamente cruéis. A melodia,
não... Nela ele se recusa a mexer. Ela é a única
beleza que reina plena nesse baile da saudade
que acontece em seu dentro. Há ternura nessa
afiada melodia, ela que é a única cria da qual ele
não sente vergonha de ter trazido ao mundo.
Apegou-se a uma frase que escutou um alguém
verbalizar, enquanto passava por ele, depois de
um dia de inutilidades profissionais. “Equilibrar-se
é saber se desequilibrar com elegância.” Achou
aquilo de uma sabedoria profunda e profana. De
uma dualidade revigorante, porque se considera
equilibrado com a boca cheia de palavras
engolidas, de mágoas salientes, de lamentos
reverberantes. Daqueles que bufa, do nada,
assustando a pessoa que dorme sentada ao lado,
em alguma sala de espera da vida.
A elegância do desequilíbrio é o que mantém
à mesa. Ninguém ali se importa de fato com ele,
ou deseja escutar o que ele tem a dizer. Sabem
seu nome, porque saber o nome oferece pompa,
na hora de chamar o insignificante para o campo,
e que ele batalhe pelos que significam. É como
se chamassem um animal de estimação. Ele
atende, rasteja-se, servil, até eles. Atende aos
desejos desses sujeitos que acham que a própria
dignidade mora na indignidade do outro.
Os nada suficientes.
Estranhamente, essas pessoas significam
para ele. Há algo de aprendizado nessa labuta
de dissonantes inseguranças travestidas de
hierarquia. Estranhamente, ele se alimenta da
espera pelo dia em que, rebelde como jamais
antes, ele se levantará e partirá dali, deles.
Sumirá das vistas, das teias, das inseguranças
desses significantes que não sabem significar
sem desidentificar o outro.
Equilibrar-se ao desequilibrar-se com
elegância, para ele, é combater, na singeleza do
insignificante, uma diplomacia mimada, das que
atendem a todos os clichês abrandadores de mal-
estar. Então, quando dão a vez a ele, permitem
ao insuficiente se manifestar, ele sorri e se cala,
enquanto rumina a ciência de que, sim, ele sabe
que não é o suficiente, ao menos não para atender
ao catálogo dos desejos impróprios. Porque acha
de uma impropriedade sibilante ter de atender
aos desejos alheios, enquanto sufoca os próprios.
Ele sorri a certeza de que acontecerá o dia
em que ele os reconhecerá, os desejos que vem
diluindo em vulgares ironias, recebidas assim,
embrulhadas em pequenas doses de falseada
gentileza. O dia em que os libertará de uma
polidez adquirida como proteção e os soltará no
mundo, rebeldes e eletrizantes. Livres.
E isso será o suficiente. Ele será o
suficientemente corajoso para se despedir de
seus apaixonantes flagelos. Desequilibradamente
equilibrado, dará a vez a si. Disponível em: http://www.cronicadodia.com.br/2019/08/nao-o-suficien-
te-carla-dias.html. Acesso em: 16 nov. 2019.

A palavra destacada em “Estranhamente,
essas pessoas significam para ele. Há
algo de aprendizado nessa labuta de
dissonantes
inseguranças travestidas
de hierarquia.”, poderia ser substituída,
sem alteração significativa de sentido no
contexto em que se insere, por

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Fonte: ADVOGADO / Câmara de Cabo de Santo Agostinho/PE / 2019 / AOCP