Simulado Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - TJ-RJ | Analista Judiciário - Análise de Sistemas | 2019 pre-edital | Questão 284

Português / Ortografia oficial


A graça da não-notícia A leitura crítica dos jornais brasileiros pode produzir momentos interessantes, não propriamente pelo que dizem, mas
principalmente pelo que tentam esconder. O hábito de analisar criticamente o conteúdo da mídia tradicional produz calos no
cérebro, e eventualmente o observador passa a enxergar não mais a notícia, mas a não-notícia, ou seja, aquilo que o noticiário
dissimula ou omite.
Trata-se de um exercício divertido, como se o leitor estivesse desfazendo um jogo de palavras cruzadas já preenchido. É
mais ou menos como adivinhar, a partir das palavras que se interconectam num texto, o sentido que o autor pretendeu dar à
sua construção, uma espécie de jogo de “interpretação reversa".
Transparece o aspecto ambíguo da imprensa quando, por exemplo, para defender o pluralismo de sua linha editorial,
jornais propõem artigos sobre tema da atualidade a serem tratados por dois distintos analistas − "o leitor pode apreciar duas
opiniões diferentes". Ocorre que as propostas, normalmente sob a forma de pergunta, são formuladas de modo a garantir a
perspectiva de que um ponto de vista se oponha frontalmente ao outro − um analista representa um "sim", o outro um "não" ao
que está sendo perguntado pelos editores. Como se vê, a tal “pluralidade” já nasce condicionada, porque a imprensa brasileira
quer convencer o leitor de que existem apenas duas interpretações possíveis para questões complexas como as que são
postas aos analistas. São complexas, ou, no mínimo, controversas, porque é isso que define uma notícia.
Uma árvore caiu. Por que a árvore caiu? − mesmo num evento corriqueiro e aparentemente banal, há muitas respostas
possíveis.
Por que a imprensa brasileira tenta pintar tudo em preto e branco, sem considerar as muitas tonalidades entre os dois
extremos? Ora, porque a imprensa faz parte do sistema de poder na sociedade moderna, e exerce esse poder fazendo pender
as opiniões para um lado ou para outro, usa o mito da objetividade para valorizar seus produtos e cobra de seus financiadores
um custo por esse trabalho.
Mas pode-se elaborar melhor essa análise. O observador arriscaria afirmar que a narrativa jornalística, tal como foi
construída ao longo do tempo, já não dá conta de acompanhar a percepção da realidade, amplificada pelo domínio da imagem
transmitida globalmente em tempo real. Como notou o filósofo Vilém Flusser, a superfície ínfima da tela substitui o mundo real.
O que a imprensa faz é comentar essa superficialidade, não a realidade.
Mas a resposta é ainda mais simples: para ser levado a sério, um jornal precisa dar a impressão de concretude em seu
conteúdo, mas, ao se tornar refém do mundo das imagens, produz uma concretude − ou, como diz Flusser, uma
“concreticidade” superficial.
Essa superficialidade procura esconder o propósito do conteúdo jornalístico, que não é informar, como pensam os
leitores correligionários: é induzir uma opinião específica.
Se tudo é opinião, tudo é não-notícia. Obs.: Vilém Flusser (1920 - 1991) − filósofo tcheco, naturalizado brasileiro; professor, jornalista, conferencista e escritor.

...para ser levado a sério, um jornal precisa dar a impressão de concretude em seu conteúdo.



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Fonte: ANALISTA JUDICIáRIO - ADMINISTRATIVA / TRT 3ª / 2015 / FCC