Simulado Tribunal Regional Federal - 2ª Região | Analista Judiciário - Área: Administrativa | 2019 pre-edital | Questão 430

Português / Ocorrência da crase


O primeiro... problema que as árvores parecem propor-nos
é o de nos conformarmos com a sua mudez. Desejaríamos que
falassem, como falam os animais, como falamos nós mesmos.
Entretanto, elas e as pedras reservam-se o privilégio do silên-
cio, num mundo em que todos os seres têm pressa de se des-
nudar. Fiéis a si mesmas, decididas a guardar um silêncio que
não está à mercê dos botânicos, procuram as árvores ignorar
tudo de uma composição social que talvez se lhes afigure
monstruosamente indiscreta, fundada que está na linguagem ar-
ticulada, no jogo de transmissão do mais íntimo pelo mais cole-
tivo.
Grave e solitário, o tronco vive num estado de imper-
meabilidade ao som, a que os humanos só atingem por alguns
instantes e através da tragédia clássica. Não logramos comovê-
-lo, comunicar-lhe nossa intemperança. Então, incapazes de
trazê-lo à nossa domesticidade, consideramo-lo um elemento
da paisagem, e pintamo-lo. Ele pende, lápis ou óleo, de nossa
parede, mas esse artifício não nos ilude, não incorpora a árvore
à atmosfera de nossos cuidados. O fumo dos cigarros, subindo
até o quadro, parece vagamente aborrecê-la, e certas árvores
de Van Gogh, na sua crispação, têm algo de protesto.
De resto, o homem vai renunciando a esse processo
de captura da árvore através da arte. Uma revista de vanguarda
reúne algumas dessas representações, desde uma tapeçaria
persa do século IV, onde aparece a palmeira heráldica, até
Chirico, o criador da árvore genealógica do sonho, e dá a tudo
isso o título: Decadência da Árvore. Vemos através desse docu-
mentário que num Claude Lorrain da Pinacoteca de Munique,
Paisagem com Caça, a árvore colossal domina todo o quadro, e
a confusão de homens, cães e animal acuado constitui um in-
cidente mínimo, decorativo. Já em Picasso a árvore se torna ra-
ríssima, e a aventura humana seduz mais o pintor do que o
fundo natural em que ela se desenvolve.
O que será talvez um traço da arte moderna, assinala-
do por Apollinaire, ao escrever: "Os pintores, se ainda observam
a natureza, já não a imitam, evitando cuidadosamente a repro-
dução de cenas naturais observadas ou reconstituídas pelo es-
tudo... Se o fim da pintura continua a ser, como sempre foi, o
prazer dos olhos, hoje pedimos ao amador que procure tirar
dela um prazer diferente do proporcionado pelo espetáculo das
coisas naturais". Renunciamos assim às árvores, ou nos per-
mitimos fabricá-las à feição dos nossos sonhos, que elas, poli-
damente, se permitem ignorar. (Adaptado de: ANDRADE, Carlos Drummond de. "A árvore e o
homem", em Passeios na Ilha, Rio de Janeiro: José Olympio,
1975, p. 7-8)

O sinal indicativo de crase pode ser corretamente suprimido em:

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Fonte: TéCNICO PREVIDENCIáRIO - INFORMáTICA / MANAUSPREV / 2015 / FCC