Simulado Tribunal Regional do Trabalho - 17ª Região (ES) | Técnico Judiciário - Área Administrativa | 2019 pre-edital | Questão 89

Língua Portuguesa / Domínio dos mecanismos de coesão textual. / Emprego de elementos de referenciação, substituição e repetição, de conectores e outros elementos de sequenciação textual.


Na farmácia, presencio uma cena curiosa, mas
não rara: balconista e cliente tentam, inutilmente, decifrar
o nome de um medicamento na receita médica. Depois
de várias hipóteses, acabam desistindo. O resignado senhor
que porta a receita diz que vai telefonar ao seu médico
e voltar mais tarde. “Letra de doutor”, suspira o balconista,
com compreensível resignação. Letra de médico já se
tornou sinônimo de hieróglifo.
Exercício de caligrafia saiu de moda, mas todos
os alunos sabem que devem escrever de modo legível
para conquistar a boa vontade dos professores. A letra dos
médicos, portanto, é produto de uma evolução, de uma
transformação. Mas que fatores estariam em jogo atrás delas?
Que eu saiba, o assunto ainda não foi objeto de
uma tese de doutorado, mas podemos tentar algumas
explicações. A primeira, mais óbvia (e mais ressentida),
atribui os garranchos médicos a um mecanismo de poder.
Doutor não precisa se fazer entender: são os outros,
os seres humanos comuns, que têm de se familiarizar com
a caligrafia médica.
Pode ser isso, mas acho que não é só isso. Há outros
componentes: a urgência, por exemplo. Um doutor que
atende dezenas de pacientes num movimentado ambulatório
de hospital não pode mesmo caprichar na letra. Receita
é uma coisa que ele deve fornecer — nenhum paciente
se considerará acolhido se não levar uma receita. A receita
satisfaz a voracidade de nossa cultura pelo remédio, e está
envolta numa aura mística: é como se o doutor, por meio dela,
acompanhasse o paciente. Mágica ou não, a receita é,
muitas vezes, fornecida às pressas; daí a ilegibilidade.
Há um terceiro aspecto, mais obscuro e delicado.
É a relação ambivalente do médico com aquilo que ele
receita — a sua dúvida quanto à eficácia dos medicamentos.
Os velhos doutores sabem que a luta contra uma doença não
se apoia em certezas, mas sim em tentativas: na medicina,
“sempre” e “nunca” são palavras proibidas. Daí a dúvida,
daí a ansiedade da dúvida, da qual o doutor se livra pela
escrita rápida. E pouco legível. Moacyr Scliar. Letra de médico. In: A face oculta. Porto
Alegre: Artes e Ofícios, 2001, p. 23-5 (com adaptações).

Com relação às ideias e aos aspectos linguísticos do texto
anteriormente apresentado, julgue os itens subsequentes.

Na linha 37, o vocábulo “daí” remete a “dúvida”.

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Fonte: CARGO 1: ADMINISTRADOR / FUB / 2018 / CESPE