Anoitecer
A Dolores
É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente buzinas,
sirenes roucas,
apitos aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.
[…]
É a hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz " morte " mergulho
no poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.
Hora de delicadeza,
agasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim,
meu passado, meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo.
ANDRADE, C. D. A rosa do povo. Rio de Janeiro: Record, 2005 (fragmento).