Simulado Câmara Municipal de Belo Horizonte - CMBH | Técnico Legislativo II | 2019 pre-edital | Questão 51

Língua Portuguesa / Conhecimento da língua / Pontuação


Fazer nada
Como a visita de um pássaro nos fez pensar no tempo.
Conseguimos uns dias de folga e fomos passar um tempo cuidando um do outro. No hotel, em Itatiba, deram-nos
o quarto 37, que se abre para um mar de morros verdes, com plantações, pastos, florestas. Fica no piso superior, tem
pé-direito alto e uma varanda abraçada por árvores repletas de pássaros. À noite, entrou pela janela um passarinho.
Minúsculo, branco no peito e na parte inferior da face, preto no dorso e na metade de cima da cabeça. Entrou pelo
quarto, acelerado. Voava junto ao teto e não conseguia baixar até a altura da porta por onde havia entrado. Temíamos
que se machucasse. Apagamos as luzes. Ele se acalmou e parou para descansar no toucador. Pulou em pé, no chão.
Caminhou um pouco, ofegante. Usamos um chapéu para levá-lo à varanda, onde ficou ainda um tempo, refazendo-se.
Depois, vimos que deixou de lembrança um cocozinho na nossa cama. De onde teria vindo essa ave? Qual o
significado do carimbo de passarinho sobre o lençol? Resisti à ideia de lembrar que excremento de pássaro é sinal de
boa fortuna em antigas tradições. Augúrio? Sinal? Ali não havia mistério. Era apenas um bichinho assustado, acelerado
demais. Talvez apenas apavorado por haver entrado em um lugar de onde parecia impossível sair. Mais do que um
significado oculto, sua visita pode é nos inspirar, quem sabe, uma analogia. Quantas vezes o homem não se debate, na
ilusão de que está acuado? Quantas vezes sofre sem perceber que está saturado por estímulos que ele próprio foi
buscar? A sensação de que seu tempo é estrangulado, sem se dar conta de que é ele quem cultiva desassossego para si.
Um amigo, sobrinho de um sábio do interior, costuma usar a imagem da trajetória errática e vã das formigas para
ilustrar a ilusão que acomete o homem em movimentos inócuos e sem sentido, o esforço inútil. Não é à toa que se fale
tanto na necessidade de ir com mais calma.
Afinal, nós nunca aceleramos tanto. Na ilusão de anteciparmos o futuro, roubamos o momento seguinte e
deixamos de vivê-lo. Convivemos sem prestar atenção no outro, respiramos com sofreguidão, comemos sem sentir o
sabor. Fugimos do presente, o único tempo que existe e sobre o qual criamos a referência para um passado
reconstruído na memória e um futuro sonhado. Como parar e fazer nada? Como apenas ser, sem se debater por ter
entrado em uma porta estranha? Há quem não consiga relaxar e, simplesmente, fazer nada. Alguém já disse que fazer
nada não é a completa falta de ação, mas a ação feita com desapego, sem visar resultado para si mesmo. Há algo de
bom em atingir esse momento em que só se é parte da paisagem e não um observador separado. Se ainda quiséssemos
procurar um significado para a visita da pequena ave, poderíamos dizer que ela veio trazer o tema para estas linhas que
você lê agora. Como se nos dissesse: que bom que vocês conseguiram uns dias de folga e vieram aqui, cuidar um do
outro. Sejam bem-vindos a este momento e esqueçam o resto. Fui. (NOGUEIRA, Paulo. Vida Simples, ed. 37. São Paulo: Abril, 2006. Disponível em http://mdemulher.abril.com.br/revistas/vidasimples/.
Edições/037/caminho/conteúdo_237474.shtml.)

Considere o trecho a seguir: “ Um amigo, sobrinho de um sábio do interior, costuma usar a imagem [...]” (2º§).

Pode-se afirmar que as vírgulas foram empregadas com a mesma função vista em:

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Fonte: ASSISTENTE LEGISLATIVO / Câmara de Nova Friburgo/RJ / 2017 / CONSULPLAN