Simulado Polícia Militar da Bahia - PMBA | Soldado PM | 2019 | Questão 438

Língua Portuguesa / Pontuação


Assassinos culturais Sou um assassino cultural, e você também é. Sei que é
romântico chorar quando uma livraria fecha as portas. Mas
convém não abusar do romantismo – e da hipocrisia. Fomos
nós que matamos aquela livraria e o crime não nos pesa mui-
to na consciência.
Falo por mim. Os livros físicos que entram lá em casa são
cada vez mais ofertas – de amigos ou editoras.
Aos 20, quando viajava por territórios estranhos, entrava
nas livrarias locais como um faminto na capoeira. Comprava
tanto e carregava tanto que desconfio que o meu problema
de ciática é, na sua essência, um problema livresco.
Hoje? Gosto da flânerie*. Mas depois, fotografo as capas
com o meu celular antes de regressar para o psicanalista – o
famoso dr. Kindle. Culpado? Um pouco. E em minha defesa
só posso afirmar que pago pelos meus vícios.
E quem fala em livrarias, fala em todo o resto. Eu também
ajudei a matar a Tower Records e a Virgin Megastore. Havia
lá dentro uma bizarria chamada CD – você se lembra?
Hoje, com alguns aplicativos, tenho uma espécie de dis-
coteca de Alexandria onde, a meu bel-prazer, escuto meus
clássicos e descubro novos.
Se juntarmos ao pacote o iTunes e a Netflix, você per-
cebe por que eu também tenho o sangue dos cinemas e dos
blockbusters nas mãos.
Eis a realidade: vivemos a desmaterialização da cultura.
Mas não é apenas a cultura que se desmaterializa e tem dei-
xado as nossas salas e estantes mais vazias. É a nossa re-
lação com ela. Não somos mais proprietários de “coisas”; so-
mos apenas consumidores e, palavra importante, assinantes.
O livro “Subscribed”, de Tien Tzuo, analisa a situação.
É uma reflexão sobre a “economia de assinaturas” que con-
quista a economia global. Conta o autor que mais de metade
das empresas da famosa lista da “Fortune” já não existiam
em 2017. O que tinham em comum? O objetivo meritório
de vender “coisas” – muitas coisas, para muita gente, como
sempre aconteceu desde os primórdios do capitalismo.
Já as empresas que sobreviveram e as novas que entra-
ram na lista souberam se adaptar à economia digital, venden-
do serviços (ou, de forma mais precisa, acessos).
Claro que na mudança algo se perde. O desaparecimen-
to das livrarias não acredito que seja total no futuro (e ainda
bem). Além disso, ler no papel não é o mesmo que ler na tela.
Mas o interesse do livro de Tzuo não está apenas nos
números; está no retrato de uma nova geração para quem a
experiência cultural é mais importante do que a mera posse
de objetos.
Há quem veja aqui um retrocesso, mas também é possí-
vel ver um avanço – ou, para sermos bem filosóficos, o triunfo
do espírito sobre a matéria. E não será essa, no fim das con-
tas, a vocação mais autêntica da cultura? (João Pereira Coutinho. Folha de S.Paulo, 28.08.2018. Adaptado)
* Flânerie: ato de passear, de caminhar sem compromisso.

Assinale a alternativa em que a pontuação foi empregada
para separar a oração subordinada adverbial.

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Fonte: ADMINISTRADOR JUDICIáRIO / TJ/SP / 2019 / VUNESP