Simulado Tribunal Regional Eleitoral do Pará - TRE/PA | Técnico Judiciário - Operação de Computadores | 2019 | Questão 173

Língua Portuguesa / Tipologia e gênero textual


Camelos e beija-flores... A revisora informou delicadamente que era norma do
jornal que todas as “estórias” deveriam ser grafadas como
“histórias”. É assim que os gramáticos decidiram e escreveram
nos dicionários.
Respondi também delicadamente: “Comigo não. Quando
escrevo ‘estória’ eu quero dizer ‘estória’. Quando escrevo
‘história’ eu quero dizer ‘história’. Estória e história são tão
diferentes quanto camelos e beija-flores...”
Escrevi um livro baseado na diferença entre “história” e
“estória”. O revisor, obediente ao dicionário, corrigiu minhas
“estórias” para “história”. Confiando no rigor do revisor, não li
o texto corrigido. Aí, um livro que era para falar de camelos
e beija-flores, só falou de camelos. Foram-se os beija-flores
engolidos pelos camelos...
Escoro-me no Guimarães Rosa. Ele começa o Tutameia
com esta afirmação: “A estória não quer ser história. A estória,
em rigor, deve ser contra a história.”
Qual é a diferença? É simples. Quando minha filha era
pequena eu lhe inventava estórias. Ela, ao final, me perguntava:
“Papai, isso aconteceu de verdade?” E eu ficava sem lhe poder
responder porque a resposta seria de difícil compreensão para
ela. A resposta que lhe daria seria: “Essa estória não aconteceu
nunca para que aconteça sempre...”
A história é o reino das coisas que aconteceram de
verdade, no tempo, e que estão definitivamente enterradas no
passado. Mortas para sempre. [...]
Mas as estórias não aconteceram nunca. São invenções,
mentiras. O mito de Narciso é uma invenção. O jovem que se
apaixonou por sua própria imagem nunca existiu. Aí, ao ler
o mito que nunca existiu eu me vejo hoje debruçado sobre a
fonte que me reflete nos olhos dos outros. Toda estória é um
espelho. [...]
A história nos leva para o tempo do “nunca mais”, tempo da
morte. As estórias nos levam para o tempo da ressurreição. Se
elas sempre começam com o “era uma vez, há muito tempo”
é só para nos arrancar da banalidade do presente e nos levar
para o tempo mágico da alma.
Assim, por favor, revisora: quando eu escrever “estória”
não corrija para “história”. Não quero confundir camelos e
beija-flores... (Rubem Alves)

O texto de Rubem Alves é uma crônica. Ao compará-lo
com as características desse gênero, só NÃO é correto
afirmar:

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Fonte: TéCNICO JUDICIáRIO - SUPORTE TéCNICO / TJ/PE / 2017 / IBFC