Simulado Tribunal Regional Federal - 4ª Região | Analista Judiciário - Área Judiciária | 2019 pre-edital | Questão 681

Português / Intelecção de texto


Crônica de gente pouco importante: Manaus, século XIX Sei que vocês nunca ouviram falar de Apolinária. Nem poderiam. Ela faz parte de um conjunto de pessoas que jamais
usufruíram de notoriedade.
Era junho de 1855 quando Apolinária, 24 anos, cabinda, africana livre, afinal desembarcou no porto de Manaus. No início do
século XIX, quando o tráfico de escravos se tornou ilegal como parte de um conjunto de acordos internacionais, os africanos livres
eram os indivíduos que compunham a carga dos navios apreendidos no tráfico ilícito. Pela lei de 1831, se a apreensão ocorresse em
águas brasileiras, eles ficavam sob tutela estatal e deviam prestar serviços ao Estado ou a particulares por 14 anos até sua
emancipação. Com isso, os africanos livres chegaram aos quatro cantos do Império, inclusive ao Amazonas.
Apolinária foi designada para trabalhar na recém-instalada Olaria Provincial. Suas crianças foram junto. Ali já estavam outros
africanos livres que, além da fabricação de telhas, potes e tijolos, também eram responsáveis pela supervisão do trabalho dos índios
que vinham das aldeias para servir nas obras públicas. Eram cerca de 20 pessoas que viviam no mesmo lugar em que trabalhavam e
assim foi até 1858, quando a olaria foi fechada para se transformar em uma nova escola: os Educandos Artífices.
A rotina na Olaria era dura e foi com alegria que Apolinária soube que seria a lavadeira dos Educandos. Diferente dos outros,
não ia precisar se mudar para o outro lado do igarapé. Podia continuar ali com os filhos, o marido Gualberto, o cozinheiro Bertoldo e
Severa, filha de Domingos Mina. O salário não era grande coisa, mas a amizade antiga com Bertoldo garantia alimento extra à mesa
para todos. A tranquilidade durou pouco. O diretor dos Educandos, certamente mal informado pela boataria maledicente, a demitiu do
cargo alegando que era ladra e dada a bebedeiras. Menos de 3 meses depois, Apolinária já estava de volta ao trabalho nas obras
públicas, com destino incerto.
Sou incapaz de dizer mais alguma coisa sobre o que aconteceu com Apolinária porque ela desapareceu da documentação,
mas os fragmentos de sua vida que pude recuperar são poderosos para iluminar cenas da vida desta cidade que estavam nas
sombras. A presença negra no Amazonas é tratada de modo marginal na historiografia local e só muito recentemente vemos
mudanças neste cenário. Há ainda muitas zonas de silêncio. A história de Apolinária nos ajuda a colocar problemas novos, entre eles,
o fato de que a trajetória dessas pessoas que cruzaram o Atlântico e, depois, o Império permite acessar um mundo bem pouco visível
na história do Brasil: a diversidade de experiências que uniram índios, escravos, libertos e africanos livres no mundo do trabalho no
século XIX.
Falar dessa gente pouco importante é buscar dialogar com personagens reais e concretos. Suas vidas comuns foram, de fato,
extraordinárias, cada uma a seu modo. Seres humanos verdadeiros, que fazem a História acontecer todos os dias. (Adaptado de: Patrícia Sampaio. Disponível em: http://amazoniareal.com.br. 06.08.2014)

A autora explicita uma conjectura na seguinte passagem do texto:

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Fonte: ASSISTENTE TéCNICO DE DEFENSORIA - ASSISTENTE TéCNICO ADMINISTRATIVO / DPE/AM / 2018 / FCC