Simulado Tribunal Regional Federal - 4ª Região | Analista Judiciário - Tecnologia da Informação | 2019 pre-edital | Questão 135

Português / Intelecção de texto


Um filme publicitário traz um ator interpretando um boçal no pavilhão de uma Bienal. O almofadinha, vestindo pulôver
escuro com gola rolê, cita autores como Nietzsche e Méliès, entre outros, para compor um discurso afetado e vazio por meio
do qual definia uma suposta obra de arte. É o velho clichê do crítico intelectual.
Vi a propaganda no mesmo dia em que a Câmara Brasileira do Livro e a Amazon anunciaram uma nova categoria do
prêmio Jabuti: a dos melhores romances, contos, crônicas e poesia, na opinião dos leitores.
O prêmio da Escolha do Leitor foi anunciado em tom de inovação democrática. O mesmo argumento tem sustentado
algumas das estratégias de mercado draconianas de grandes corporações de internet. Afinal, dá-se voz ao leitor, que agora
pode pôr em xeque decisões arbitrárias de um punhado de críticos que não representam a opinião da maioria.
Nesse sentido, a Escolha do Leitor menos inova do que aperfeiçoa uma tendência que já coroava as edições anteriores
do prêmio: o Livro do Ano. Escolhido pelos livreiros, ele contempla os títulos com mais chances de corresponder às expecta-
tivas do mercado, muitas vezes contrariando os resultados das categorias literárias.
A principal ressalva à inovação democrática do Jabuti, entretanto, é que já existe um prêmio do leitor. Ele se chama lista
dos mais vendidos e é outorgado no mundo inteiro. É claro que há diferenças. A favor da nova categoria, deve-se dizer que o
leitor elegerá títulos apenas entre os finalistas. Ou seja, pela via do meio, o novo prêmio atenderia ao mercado sem exonerar a
crítica.
Mas, então, por que prêmios literários prestigiados mundo afora ignoram a opinião da maioria? A resposta é simples. A
despeito de seus eventuais equívocos (e não são poucos), os prêmios literários não foram criados para corresponder a
critérios objetivos de mercado.
Os prêmios literários são asserções (com frequência, inerciais; às vezes, justas e corajosas − e a coragem não costuma
ser fruto do consenso) sobre o que um grupo de pessoas, selecionadas por motivos nem sempre claros ou acertados, acredita
que deve ser defendido em termos de subjetividade e exceção.
Ao atribuir o prêmio de literatura a Bob Dylan, por exemplo, o Nobel tomou uma decisão idiossincrática, mas que exalta o
que há de subjetivo tanto em escrever como em ler e premiar literatura.
Ao contrário, exceção e subjetividade não fazem parte do vocabulário das grandes corporações de internet. É o que
torna tanto mais curioso que um dos poucos prêmios literários brasileiros de prestígio tenha incorporado a lógica pleonástica
dos algoritmos que estruturam a rede (o que mais se lê também é cada vez mais lido). Não é mais uma perspectiva subjetiva,
mas sim uma forma de endossar a premissa de que não se deve contrariar o gosto do "leitor" (seja ele quem for, de preferên-
cia uma média que represente muitos).
Hoje, mais do que nunca, soa antipático e antidemocrático pôr em dúvida essa ideia generalizada de leitor. Mas fazer o
indivíduo acreditar que não precisa se esforçar para entender o que lhe escapa ou o que o contraria (como propõe a
propaganda da Bienal) tem menos a ver com o respeito pela formação de um leitor ou um espectador autônomo, reflexivo, do
que com a sua redução a potencial de lucro e com o estreitamento correlato de seus horizontes intelectuais e subjetivos. (Adaptado de: CARVALHO, Bernardo. “A opinião dos leitores e a crítica”. Disponível em: folha.uol.com.br. Acesso em: 10/3/2018)

No contexto, traduz-se corretamente o sentido de um segmento em:

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Fonte: TéCNICO LEGISLATIVO - TéCNICO JUDICIáRIO / Assembleia Legislativa/SE / 2018 / FCC