Simulado Tribunal Regional do Trabalho - 17ª Região (ES) | Analista Judiciário - Área Judiciária | 2019 pre-edital | Questão 826

Língua Portuguesa: / Domínio da estrutura morfossintática do período. / Emprego do sinal indicativo de crase.


Texto CB1A4-I — Tinha vinte e cinco anos, era pobre, e acabava de
ser nomeado alferes da Guarda Nacional. Não imaginam o
acontecimento que isto foi em nossa casa. Minha mãe ficou tão
orgulhosa! Vai então uma das minhas tias, D. Marcolina, que
morava a muitas léguas da vila, num sítio escuso e solitário,
desejou ver-me, e pediu que fosse ter com ela e levasse a farda.
Chamava-me também o seu alferes. E sempre alferes; era
alferes para cá, alferes para lá, alferes a toda a hora. Na mesa
tinha eu o melhor lugar, e era o primeiro servido. Não
imaginam. Se lhes disser que o entusiasmo da tia Marcolina
chegou ao ponto de mandar pôr no meu quarto um grande
espelho, naturalmente muito velho; mas via-se-lhe ainda
o ouro.
— Espelho grande?
— Grande. E foi, como digo, uma enorme fineza,
porque o espelho estava na sala; era a melhor peça da casa.
Mas não houve forças que a demovessem do propósito;
respondia que não fazia falta, que era só por algumas semanas,
e finalmente que o “senhor alferes” merecia muito mais. O
certo é que todas essas coisas, carinhos, atenções, obséquios,
fizeram em mim uma transformação, que o natural sentimento
da mocidade ajudou e completou. Imaginam, creio eu?
— Não.
— O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias
as duas naturezas equilibraram-se; mas não tardou que a
primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de
humanidade. Aconteceu então que a alma exterior, que era
dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, mudou de
natureza, e passou a ser a cortesia e os rapapés da casa, tudo o
que me falava do posto, nada do que me falava do homem. A
única parte do cidadão que ficou comigo foi aquela que
entendia com o exercício da patente; a outra dispersou-se no ar
e no passado. Vamos aos fatos. Vamos ver como, ao tempo em
que a consciência do homem se obliterava, a do alferes
tornava-se viva e intensa. No fim de três semanas, era outro,
totalmente outro.
(...)
— Convém dizer-lhes que, desde que ficara só, não
olhara uma só vez para o espelho. Não era abstenção
deliberada, não tinha motivo; era um impulso inconsciente, um
receio de achar-me um e dois, ao mesmo tempo, naquela casa
solitária; e se tal explicação é verdadeira, nada prova melhor a
contradição humana, porque no fim de oito dias, deu-me na
veneta olhar para o espelho com o fim justamente de achar-me
dois. Olhei e recuei.
(...)
— De quando em quando, olhava furtivamente para o
espelho; a imagem era a mesma difusão de linhas, a mesma
decomposição de contornos... Subitamente, por uma inspiração
inexplicável, por um impulso sem cálculo, lembrou-me... vestir
a farda de alferes. Vesti-a, aprontei-me de todo; e, como estava
defronte do espelho, levantei os olhos, e... não lhes digo nada;
o vidro reproduziu então a figura integral; nenhuma linha de
menos, nenhum contorno diverso; era eu mesmo, o alferes, que
achava, enfim, a alma exterior. Daí em diante, fui outro. Cada
dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes, e sentava-me diante
do espelho, lendo, olhando, meditando; no fim de duas, três
horas, despia-me outra vez. Com este regime pude atravessar
mais seis dias de solidão, sem os sentir... Machado de Assis. O espelho. In: John Gladson (Org.). 50 contos de Machado de Assis.
Cia. das Letras. Edição eletrônica. Internet: (com adaptações).

No que se refere aos aspectos linguísticos e aos sentidos do
texto CB1A4-I, julgue os itens que se seguem.

É facultativo o emprego do acento indicativo de crase em “à
outra” (R.26), de modo que sua supressão não comprometeria
a correção gramatical e os sentidos originais do texto.

Voltar à pagina de tópicos Próxima

Fonte: ANALISTA MINISTERIAL - ÁREA PROCESSUAL / MPE/PI / 2018 / CESPE